O seu bebê tem refluxo?

O seu bebê tem refluxo?
Postado em: 02 de março Compartilhar Compartilhar

Por - Tadeu Fernando Fernandes - CRM – SP – 46876   RQE nº 55494

  • Especialista em Pediatria pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e Associação Médica Brasileira (AMB)
  • Atual Presidente do Departamento Científico de Pediatria Ambulatorial da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP)
  • Especialização em Early Nutrition (ENS) pela Ludwig-Maximilians University Munich
  • Pós-Graduado em Nutrologia Pediátrica pela Boston University School of Medicine
  • American Academy of Pediatrics - AAP Membro Efetivo


As avós falam golfar, as vizinhas vomitar e agora um termo mais chique e frequente na mídia e redes sociais: refluxo.  

  •  Mas o que é refluxo? 

 O Refluxo Gastroesofágico (RGE) consiste na passagem do conteúdo gástrico para o esôfago, com ou sem regurgitação e/ou vômito (figura 1).1  


Figura 1: Representação esquemática do estômago, localizado na região abdominal (abaixo do músculo que separa o tórax do abdômen chamado diafragma). O estômago contém o suco gástrico com alto grau de acidez (pH = 2 é semelhante ao pH do suco de limão). Logo acima, está o esôfago, localizado na região do tórax, superior ao diafragma, cujo grau de acidez é neutro (pH=7). Entre eles existe uma válvula ou esfíncter que se abre na descida do alimento e fecha-se após sua passagem impedindo o refluxo. Nos primeiros meses de vida essa válvula é imatura, o “abre e fecha” não funciona de modo harmônico, sendo este um dos motivos para o bebê regurgitar tanto. Com o passar dos meses ele vai amadurecendo e passa a funcionar direitinho (quase 100% após os 12 meses de idade). Nos bebês prematuros esta imaturidade é mais visível e persistente, mas com boa evolução. 2,3 

  • Qual a diferença entre vômito e regurgitação? 

Vômito é a expulsão rápida e forçada do conteúdo gástrico através da boca.2 

Regurgitação é definida como a passagem do conteúdo gástrico para a faringe ou boca, e, às vezes, com exteriorização para fora da boca. Podemos ter refluxo com regurgitação ou refluxo sem regurgitação (também chamado de refluxo oculto).2 

  • Mas refluxo é uma doença ou não? 

O refluxo pode ser um processo normal ou fisiológico, que ocorre várias vezes ao dia, após as refeições, em lactentes nascidos a termo, e principalmente nos prematuros, crianças, adolescentes e adultos, ocasionando poucos ou nenhum sintoma. O refluxo fisiológico do lactente raramente se inicia antes da primeira semana de vida ou após os 6 meses, tem resolução ou cura espontânea com o passar dos meses, apenas 5% dos bebês têm refluxo persistente após o 1º ano de vida.2,3 

Entretanto, em 5% a 7% dos casos de refluxo gastroesofágico temos evolução para a Doença do Refluxo Gastroesofágico (DRGE) e, nesses casos, temos complicações, sintomas e incômodos como: choro muito frequente, principalmente após as mamadas, irritabilidade, recusa alimentar, perda ou não ganho de peso, alterações do sono, arqueamento do corpo para trás quando se oferece ou durante a alimentação, infecções respiratórias de repetição, erosão dentária pelo ácido refluído e um aparente desconforto geral repercutindo na qualidade de vida do binômio criança/família.1,2 

Resumindo: 95% dos casos de refluxo gastroesofágico são fisiológicos e a cura é espontânea sem medicamentos ou exames, em apenas 5% teremos a DRGE. O risco é um pouco maior nos prematuros devido à maior imaturidade do trato digestório. 1,2 

  • Então o que fazer para meu bebê que tem somente refluxo fisiológico? 

Uma das causas mais frequente de refluxo é o excesso de leite, oferecido por pais ansiosos em saciar a “fome” de seus bebês. Infelizmente o seio materno não tem um marcador de volume de saída e o recém-nascido é um sugador nato; para ele sugar o seio materno, ou o bico da mamadeira, ou uma chupeta é um prazer, é a fase oral da comunicação do bebê. 1,2,3 

Uma pesquisadora italiana (Professora Anna Maria Staiano da Universidade de Naples) realizou um estudo comparativo de capacidade gástrica com volumes líquidos oferecidos a um bebê de cinco quilos em dez minutos, com um adulto de oitenta quilos, veja o resultado: 4 

Se você tomar 3 litros de água em 10 minutos certamente terá refluxo! 

Veja na figura 2 a comparação de tamanho do estômago de um recém-nascido com o passar dos dias de nascimento.2,4 

Figura 2: veja como a capacidade gástrica do bebê é pequena.2,4 

A segunda causa mais frequente de regurgitação é a postura do bebê, explicada pela lei da gravidade de Newton. Na posição vertical o alimento desce, na posição horizontal tende a voltar. Sem contar que quando o bebê mama temos uma pequena entrada de ar que vai ocupar espaço no estômago, por isso a recomendação de colocar o bebê para arrotar (sair o ar) após mamar, pois ganhamos espaço dentro do estômago. 3 

Recomenda-se deixar o bebê na posição vertical no mínimo 15 minutos após mamar; esse é o tempo para um razoável esvaziamento do estômago.3  

Geralmente esses cuidados com postura e dieta são suficientes para reduzir de modo considerável os episódios de refluxo. 2,3 

  • E se meu bebê tiver a Doença do Refluxo Gastroesofágico (DRGE)? 

Nesse caso o seu pediatra irá fazer uma avaliação geral clínica e, em alguns raros casos, solicitar exames subsidiários; em resumo, o diagnóstico é clínico. E você pode ajudar seu pediatra a montar o quebra cabeça do diagnóstico da DRGE. Atualmente dispomos de um “Questionário de Triagem”, desenvolvido por pesquisadores americanos para fazer triagem, não diagnóstico.5 

Você pode preencher o questionário escolhendo uma nota, nas propostas apresentadas; no final faça a soma e leve para seu pediatra avaliar. 5 

1- Na última semana, quantas vezes o bebê regurgitou por dia? 

  • Menos de 1 vez (0 ponto) 
  • Menos de 3 vezes (1 ponto) 
  • Entre 4 e 6 vezes (2 pontos) 
  • De 6 a 10 vezes (3 pontos) 
  • Mais de 10 vezes (4 pontos) 

2- Na última semana, qual o volume estimado que o bebê regurgitou (um episódio típico)? 

  • Não regurgitou (0 ponto) 
  • Menos que 1 colher de sopa (1 ponto) 
  • De 1 a 3 colheres de sopa (2 pontos)               
  • Menos da metade da mamadeira (3 pontos) 
  • Mais da metade da mamadeira (4 pontos) 

3- Na última semana, quantas vezes, durante a regurgitação, o bebê teve desconforto, chorou e ficou irritado? 

  • Nenhuma (0 ponto) 
  • Raramente (1 ponto) 
  • Algumas vezes (2 pontos) 
  • Quase sempre (3 pontos) 
  • Sempre (4 pontos) 

4- Na última semana, quantas vezes o bebê recusou alimentação mesmo estando com fome? 

  • Nenhuma (0 ponto) 
  • Raramente (1 ponto) 
  • Algumas vezes (2 pontos) 
  • Quase sempre (3 pontos) 
  • Sempre (4 pontos) 

5- Na última semana, quantas vezes o bebê interrompeu a mamada, mesmo estando com fome? 

  • Nenhuma (0 ponto) 
  • Raramente (1 ponto) 
  • Algumas vezes (2 pontos) 
  • Quase sempre (3 pontos) 
  • Sempre (4 pontos) 

6- Na última semana, quantas vezes o bebê chorou muito logo após mamar ou até 1 hora após mamar? 

  • Nenhuma (0 ponto) 
  • Raramente (1 ponto) 
  • Algumas vezes (2 pontos) 
  • Quase sempre (3 pontos) 
  • Sempre (4 pontos) 

7- Na última semana, o bebê chorou muito ou ficou irritado mais que o usual? 

  • Nenhuma (0 ponto) 
  • Raramente (1 ponto) 
  • Algumas vezes (2 pontos) 
  • Quase sempre (3 pontos) 
  • Sempre (4 pontos) 

8- Na última semana, em média quanto tempo durou o choro e/ou irritabilidade nas 24 horas de um dia? 

  • Menos de 10 minutos por dia (0 ponto) 
  • Entre 10 minutos e 1 hora por dia (1 ponto) 
  • De 1 a 3 horas por dia (2 pontos) 
  • Mais de 3 horas por dia (3 pontos) 

9- Na última semana, qual a frequência de soluços? 

  • Nenhuma (0 ponto) 
  • Raramente (1 ponto) 
  • Algumas vezes (2 pontos) 
  • Quase sempre (3 pontos) 
  • Sempre (4 pontos) 

10- Na última semana, qual a frequência de episódios de arqueamento do tronco?  

  • Nenhuma (0 ponto) 
  • Raramente (1 ponto) 
  • Algumas vezes (2 pontos) 
  • Quase sempre (3 pontos) 
  • Sempre (4 pontos) 

11- Na última semana, o bebê parou de respirar por um certo tempo quando acordado ou respirou com muito esforço parecendo que estava engasgado?  

  • Não (0 ponto) 
  • Sim (6 pontos)

12- Na última semana, o bebê teve algum episódio de cianose (ficou roxinho) após mamar? 

  • Não (0 ponto) 
  • Sim (6 pontos) 

PONTUAÇÃO TOTAL = 52 pontos 

  • (Escore < 7 pontos) = RGE fisiológico   
  • (Escore 8 a 14 pontos) = RGE moderado 
  • (Escore >15 pontos) = DRGE 
  • Lembrando, esse é um questionário de triagem, não de diagnóstico. 
  • Pronto! Agora você já sabe o que é refluxo, sua evolução e a grande dica: o diagnóstico é clínico e não com exames. 
  • Muito carinho, calma, paciência, cuidados com a postura e a hiperalimentação do bebê, vale sempre o ditado: devagar e sempre


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 

1- Rosen R et al. Pediatric gastroesophageal reflux clinical practice guidelines: joint recommendations of the North American Society for Pediatric Gastroenterology, Hepatology, and Nutrition (NASPGHAN) and the European Society for Pediatric Gastroenterology, Hepatology, and Nutrition (ESPGHAN). Journal of pediatric gastroenterology and nutrition 2018, 66(3), 516. 

2- Fernandes TF. Doença do refluxo gastroesofágico x refluxo gastroesofágico. Pediatria Moderna 2015;(3):76-86. 

3- Fernandes TF, Pires AMB e colaboradores. Dia a Dia do Pediatra. Atheneu 2022 

4- Staiano A. Prevalence and natural history of gastroesophageal reflux: pediatric prospective survey. Pediatrics 2009, 123(3), 779-783. 

5- Orenstein SR. Symptoms and reflux in infants: Infant Gastroesophageal Reflux Questionnaire Revised (I-GERQ-R)-utility for symptom tracking and diagnosis. Curr Gastroenterol Rep. 2010 Dec;12(6):431-6. 

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