ALERGIA ALIMENTAR X INTOLERÂNCIA

ALERGIA ALIMENTAR X INTOLERÂNCIA
Postado em: 10 de junho Compartilhar Compartilhar

Conhecer a diferença entre ALERGIA e INTOLERÂNCIA alimentar é fundamental para que você, com esse conhecimento, possa informar de modo mais assertivo seu médico sobre seus sinais e sintomas, facilitando o diagnóstico e tratamento.

A INTOLERÂNCIA ALIMENTAR é caracterizada pela má digestão de determinados alimentos. O problema é resultado da deficiência ou ausência de enzimas responsáveis pela quebra das moléculas maiores dos alimentos em produtos menores, os quais o organismo é capaz de absorver e aproveitar adequadamente.1

A pessoa com INTOLERÂNCIA ALIMENTAR absorve parcialmente esses nutrientes, que passam a fermentar, ocasionando sintomas como inchaço abdominal, flatulência e cólicas, podendo ainda causar diarreia. A severidade das manifestações depende da quantidade ingerida de determinado nutriente e da quantidade que cada pessoa pode tolerar. Em muitos casos pode ocorrer somente dor e/ou distensão abdominal, sem diarreia. Os sintomas podem levar de alguns minutos até muitas horas para aparecer, no entanto, apesar de ser incômoda para os pacientes, uma vez reconhecida, pode ser controlada por simples ajustes na dieta. 1,2

Já na ALERGIA ALIMENTAR ocorre uma reação imunológica do organismo logo após a exposição ao alimento causador da alergia. Entretanto, essa manifestação pode ser imediata ou levar algumas horas ou dias para ocorrer, sendo as mais comuns as reações que envolvem a pele (urticária, inchaço, coceira, eczema) e o aparelho gastrintestinal (diarreia, dor abdominal, vômitos, dermatite perianal, sangue nas fezes, entre outros). Manifestações mais intensas, acometendo vários órgãos simultaneamente como pele e trato respiratório (anafilaxia), também podem ocorrer.3,4

Nas reações de hipersensibilidade, a primeira exposição ao alimento alergênico pode desencadear reação, porém, após exposições subsequentes essa reação pode se tornar mais intensa.4

Globalmente o número de crianças com alergias alimentares cresceu nos últimos 10 anos; os oito alimentos mais alergênicos para crianças são: leite, ovos, peixe, camarão, amendoim, nozes, trigo e soja.4

Para entender melhor a diferença entre INTOLERÂNCIA e ALERGIA vamos dar exemplo de uma situação muito frequente em nosso dia a dia de consultório envolvendo o leite de vaca. Sabemos que ele é composto por proteínas (caseína, lactoalbumina alfa e beta, entre outras), lipídeos (gorduras), açúcares (entre eles a lactose), água, sais minerais, entre outros vários componentes como mostra a figura 1.

Figura 1: Composição do leite de vaca integral. Fonte: Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).

Em algum momento da vida qualquer um de nós pode desenvolver uma INTOLERÂNCIA À LACTOSE, ou seja, a incapacidade de digerir o açúcar do leite chamado lactose. O problema é resultado da deficiência ou ausência de uma enzima intestinal chamada lactase. Esta enzima possibilita decompor o açúcar do leite em carboidratos mais simples, para a sua melhor absorção como mostram as figuras 2 e 3 (desenvolvidas pelo autor). 1,2

Figura 2: A enzima LACTASE faz a quebra do açúcar do leite LACTOSE em 2 moléculas menores galactose e glicose.

Figura 3: A duas moléculas menores fruto da quebra da LACTOSE pela enzima LACTASE são a galactose e glicose que são prontamente absorvidas pelo intestino.

Na deficiência da enzima lactase o açúcar LACTOSE não é quebrado (digerido) migrando do intestino delgado para o intestino grosso em sua forma bruta, e servirá de alimento para as bactérias putrefativas que habitam o intestino grosso que farão a fermentação da LACTOSE produzindo muitos gases, um dos principais sintomas desse quadro chamado de INTOLERÂNCIA A LACTOSE que na verdade é uma DEFICIÊNCIA DE LACTASE (a enzima que quebra a lactose).1,2

Os sintomas mais comuns são náusea, dores abdominais, diarreia ácida e abundante, gases em excesso e desconforto. A severidade dos sintomas depende da quantidade ingerida e da quantidade de lactose que cada pessoa pode tolerar. Em muitos casos pode ocorrer somente dor e/ou distensão abdominal, sem diarreia. Os sintomas podem levar de alguns minutos até muitas horas para aparecer. Apesar de os problemas não serem perigosos eles podem ser bastante desconfortáveis.1,2

Quanto às causas podemos dividir em três grupos:1,2

  • deficiência congênita da enzima, fato muito raro.
  • diminuição na produção da lactase em consequência de doenças intestinais como a diarreia aguda, está mais frequente. Ao término da doença a produção de lactase volta aos níveis anteriores.
  • deficiência primária: ocorre diminuição da produção da lactase como consequência do envelhecimento. Esse fato é mais evidente em algumas raças como os afrodescendentes (até 80% dos adultos têm deficiência) e Not Approved for Distribution menos comum em outras, como os caucasianos (20% dos adultos).

O tratamento é simples, na deficiência da enzima lactase devemos reduzir ou abolir o consumo da lactose, em casos e situações especiais como uma festa de aniversário, por exemplo, onde o consumo do leite com lactose é inevitável podemos ingerir antes do evento a lactase na forma de comprimidos ou sachês que serão prescritos pelo seu médico.1,2

A ALERGIA À PROTEÍNA DO LEITE DE VACA conhecida pela sigla APLV, também conhecida como alergia ao leite de vaca (ALV), é uma das alergias alimentares mais comuns em bebês, e geralmente aparece antes de 1 ano de idade. Às vezes, a APLV é confundida com intolerância à lactose, mas elas são muito diferentes: intolerância à lactose não envolve o sistema imunológico do corpo. Os dois compartilham alguns sinais e sintomas, como problemas de estômago e intestino (como gases e diarreia). No entanto, embora a APLV geralmente ocorra em bebês com menos de 1 ano de idade, a intolerância à lactose é muito rara em crianças com menos de 5 anos de idade.3,4

A APLV é um tipo de alergia ao leite na qual o sistema imunológico do bebê responde às proteínas encontradas no leite de vaca, fazendo com que ele apresente sintomas alérgicos. Estes podem incluir problemas com a pele (erupção cutânea, urticária, pele seca, escamosa ou coceira), sistema digestivo (diarreia, sangue nas fezes, dermatite perianal, vômitos, constipação e refluxo) e sistema respiratório (respiração barulhenta, tosse, corrimento nasal).4

Segundo a Sociedade Brasileira de Pediatria 3 em cada 100 crianças podem desenvolver APLV no primeiro ano de vida. O tratamento básico é a retirada total do leite de vaca da alimentação da criança. Aqueles que estiverem em aleitamento materno exclusivo devem excluir 100% do leite de vaca e derivados da dieta materna, os que estiverem em fórmula infantil devemos migrar para uma fórmula com a proteína do leite de vaca extensamente hidrolisada ou na forma de unidades básicas chamadas aminoácidos.4

Com a melhora do quadro clínico, após algumas semanas fazemos um “teste de provocação” com apresentação da proteína do leite de vaca para o paciente; caso ele tolere, é um bom sinal e nesse caso voltamos à dieta normal e mantemos a observação.4

Finalizando vamos deixar a mensagem fundamental deste artigo.

Diferenciar a intolerância à lactose da APLV é básica, pois as duas têm causas e tratamentos diferentes; além disso, a APLV geralmente desenvolve-se no início da vida, enquanto que a intolerância à lactose se desenvolve ao longo da vida.

APLV é uma ALERGIA À PROTEINA DO LEITE DE VACA

INTOLERÂNCIA À LACTOSE NÃO É ALERGIA, mas uma deficiência da enzima lactase que digere a lactose, o açúcar do leite.


Referências Bibliográficas

  1. Mattar R, Mazo DFC. Intolerância à lactose: mudança de paradigmas com a biologia molecular. Rev. Assoc. Med. Bras 2010. 56 (2) https://doi.org/10.1590/S0104-42302010000200025
  2. SBP. Intolerância a lactose. Pediatria para as Famílias. Disponível em: https://www.sbp.com.br/especiais/pediatria-para[1]familias/noticias/nid/intolerancia-a-lactose/
  3. SBP. Alergia a Proteína do Leite de Vaca (APLV). Pediatria para as Famílias. Disponível em: https://www.sbp.com.br/especiais/pediatria-para[1]familias/doencas/alergia-ao-leite-de-vaca/
  4. Solé D et al. Consenso Brasileiro sobre Alergia Alimentar: 2018 - Parte 1 e 2 - Diagnóstico, tratamento e prevenção. Documento conjunto elaborado pela Sociedade Brasileira de Pediatria e Associação Brasileira de Alergia e Imunologia. Arq Asma Alerg Imunol. 2018;2(1):39-82.



TADEU FERNANDO FERNANDES

CRM – SP – 46876 RQE nº 55494

Especialista em Pediatria pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e Associação Médica Brasileira (AMB)

Presidente do Departamento Científico de Pediatria Ambulatorial da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP)

Secretário do Departamento de Pediatria Ambulatorial da Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP)

Especialização em Early Nutrition (ENS) pela Ludwig-Maximilians University Munich

Pós-Graduado em Nutrologia Pediátrica pela Boston University School of Medicine

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