A superproteção em pais de prematuros

A superproteção em pais de prematuros
Postado em: 02 de agosto Compartilhar Compartilhar

Autora: Rayssa Nassif - Psicóloga clínica e hospitalar CRP: 07/106.663

O nascimento do bebê prematuro exige muito dos pais emocionalmente e quebra expectativas desenvolvidas ao longo da gestação sobre o nascimento e primeiros dias de vida. ¹  

Além de se tornarem pais antes do tempo esperado, surge uma nova rotina de cuidados, visitas e muitos receios quanto ao desenvolvimento e sobrevida do bebê. ¹  

A alta hospitalar passa a ser um momento muito aguardado, mas à medida em que se aproxima, pode despertar sentimentos ambivalentes, como a alegria e a insegurança na família que se vê sem os cuidados diretos da equipe de saúde.¹

O tornar-se pai e tornar-se mãe é atravessado pela prematuridade. Desenvolvem estados de alerta frequentes, com grandes cargas de stress e preocupação, o que pode tornar a forma como encaram a sua nova função com mais receios e inseguranças. Todo este contexto favorece comportamentos de superproteção, que seriam aqueles que não permitem que a criança module por si os estímulos e interações com o ambiente. ²

A superproteção e o desenvolvimento das crianças

Ao ser muito privada da exploração e de trocas, a criança pode desenvolver comportamentos de insegurança, ansiedade, retraimento, medo de se expor e de encarar o mundo como um lugar ameaçador. ²

Comportamentos de superproteção estão associados à insegurança na função parental. Alguns cuidados podem auxiliar no vínculo inicial em famílias prematuras como: o contato pele a pele com o bebê, a sensação de não estar só na rotina e o resgate da autonomia pós alta, com momentos de prazer e bem-estar no dia a dia - massagem, brincadeiras, leitura, música, e muito carinho. ³

Rede de apoio para pais recentes

A rede de apoio, composta pela equipe de saúde e pela comunidade, se mostra como importante alicerce. Os recém-pais também precisam de amparo e serem acolhidos em suas angústias e dúvidas quanto ao desenvolvimento do bebê e os seus cuidados em domicílio. A continuação do acompanhamento com equipe de saúde é fundamental para se sentirem seguros e bem esclarecidos, além de identificar comportamentos de superproteção e realizar orientações para tal.

Os pais têm receio de receber pessoas em casa pelos riscos do bebê pegar alguma infecção, porém deve-se tomar cuidado para não se sobrecarregarem. As orientações da equipe de saúde quanto à higiene e contato com outras pessoas devem ser seguidas, mas permitir que receba ajuda pode aliviar o cansaço inicial.

A família, como um todo, está passando por muitas transformações, imersos no puerpério com emoções afloradas, muitas demandas do bebê e privação de sono. Nessas horas, a rede pode auxiliar do ponto de vista prático, oferecendo ajuda com tarefas domésticas, compras do supermercado, trazer uma comida gostosa, cuidados com outros filhos ou com pets. Do ponto de vista emocional, oferecem apoio, companhia, acolhimento aos pais - lembrar que a visita é para eles, e não só para o bebê.

O emocional dos pais prematuros

Outro ponto a ser considerado é a maior vulnerabilidade emocional dos pais prematuros. Quadros de depressão pós-parto e ansiedade são mais frequentes e estão associados a comportamentos de superproteção, com maior foco em cuidados físicos (de sobrevivência) e menor na interação e estímulos com o filho. 4,5

Alguns alertas de sofrimento psíquico estão associados, como: alterações de humor, alterações de sono e de apetite, estado de alerta permanente, insônia, dificuldade em se distanciar do bebê ou em ficar sozinho(a) com ele.

Caso seja identificado, uma avaliação psicológica ou psiquiátrica deve ser realizada. Grupos de apoio no pós-parto e uma escuta profissional podem permitir que os pais exponham sua experiência e sofrimentos decorrentes da internação, sejam acolhidos e possam resgatar sua autoconfiança em si e nas competências do seu bebê.

Pude acompanhar muitas famílias na UTI Neonatal e na sua programação de alta hospitalar ao longo dos meus dez anos como psicóloga hospitalar. Via de perto a transformação do bebê, mas, em especial, a dos seus pais ao se apropriar de seus filhos e se sentirem preparados para irem para a casa. Mesmo assim, sentiam aquele frio na barriga: “agora somos nós!”.

Esse medo é muito natural, e pode abrir espaços para descobertas, aprendizados conjuntos e a criação de intimidade que só o convívio pode proporcionar. No contato posterior, nas consultas de acompanhamento, a maior parte das famílias demonstra alívio por estarem com seus bebês e buscam validação de que seus cuidados foram suficientes.

No entanto, alguns núcleos demonstravam inseguranças e comportamentos de alerta, mesmo um período após a alta hospitalar e com as questões de saúde do bebê já mais estabelecidas. Nesses casos, cabia à equipe de saúde uma escuta atenta ao que se passava, com algumas orientações e continuidade do atendimento psicológico quando necessário.

Cabe lembrar que todos os membros da família possuem uma capacidade de se adaptar e se transformar. O ciclo gravídico-puerperal é marcado como período de crise para o casal, na medida que assumem suas novas funções e identidades parentais com uma grande potência de transformação e resiliência, assim como o bebê prematuro. O desenvolvimento saudável e com autonomia indica que os cuidados parentais estão sintonizados e de acordo com a sua nova realidade.

Referências:

1.      Cossul, M. U., Silveira, A. O., Pontes, T. B., Martins, G., Wernet, M., & Cabral, C. C. de O. (2015). Parenting beliefs and practices regarding domiciliary care of premature infants. REME: Revista Mineira de Enfermagem, 19(4), 830–835. https://doi.org/10.5935/1415-2762.20150064

2.      https://www.spsp.org.br/2013/12/27/maes-superprotetoras-criam-filhos-ansiosos/ 3- Brasil. Ministério da Saúde. Atenção humanizada ao recém-nascido : Método Canguru : manual técnico. Módulo 2: nascimento prematuro e a formação de laços afetivos.

3.      ed. – Brasília : Ministério da Saúde, 2017.

4.      Campos, B.; Rodrigues,C.; Rolim, O.M.. Depressão pós-parto materna: crenças, práticas de cuidado e estimulação de bebês no primeiro ano de vida. Psico (Porto Alegre), Porto Alegre , v. 46, n. 4, p. 483-492, dez. 2015.

5.      Marciano, R P. Representações maternas acerca do nascimento prematuro. Rev. SBPH, Rio de Janeiro , v. 20, n. 1, p. 143-164, jun. 2017 .

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