Cólicas do Lactente

Cólicas do Lactente
Postado em: 10 de fevereiro Compartilhar Compartilhar

TADEU FERNANDO FERNANDES - CRM – SP – 46876   RQE nº 55494

  • Especialista em Pediatria pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e Associação Médica Brasileira (AMB)
  • Atual Presidente do Departamento Científico de Pediatria Ambulatorial da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP)
  • Especialização em Early Nutrition (ENS) pela Ludwig-Maximilians University Munich
  • Pós-Graduado em Nutrologia Pediátrica pela Boston University School of Medicine
  • American Academy of Pediatrics - AAP Membro Efetivo

As cólicas ou choro persistente de origem não determinada no lactente são queixas frequentes no dia-a-dia do pediatra. De um modo geral, o lactente com cólicas apresenta expressões faciais aparentando dor, distensão abdominal (barriguinha estufada), aumento na produção de gases, rubor (vermelhão na face) e pernas curvadas sobre o abdome, e uma curiosidade, nada consola o bebê nesta condição: oferecer o mamar, ninar, balançar, beijar, enfim, é um choro inconsolável.1

Apesar de transitória e benigna, a cólica do lactente gera situações familiares de estresse e ansiedade, levando a distúrbios sociais, psicológicos, físicos, aumenta o risco da depressão pós parto e o que é pior: o uso de medicamentos de forma exagerada. 1,2

Merecem destaque as múltiplas alternativas terapêuticas disponíveis no mercado farmacêutico e os frequentes casos de intoxicação pelo seu uso indiscriminado. Um estudo de vigilância realizado no Brasil mostra que 70% dos lactentes com até três meses de idade consomem medicamentos de modo excessivo, sob orientação médica, por indicação de familiares, e outros leigos, ou por iniciativa materna que busca “dicas” e “recomendações”, pouco confiáveis, no mundo eletrônico.3

Vários estudos clínicos realizados nas últimas décadas mostram que o uso de chás nos primeiros meses de vida, largamente recomendado pelas comadres e palpiteiras de plantão, está associado a uma maior incidência de desmame precoce, desnutrição, anemia por deficiência de ferro (os fenóis presentes nos chás reduzem a absorção do ferro) e principalmente quadros de diarreia aguda nos lactentes. Questionários aplicados a mães que se utilizam desta prática comprovam que o principal motivo para uso do chá é a tentativa de aliviar as cólicas do lactente.3

Quando o tema é “cólica do lactente” muitos mitos e verdades se apresentam, modismos, alquimias, poções mágicas, terapias alternativas e outras sem comprovação científica, entretanto, nos tempos atuais precisamos do aval da “Medicina Baseada em Evidências” com suas revisões sistemáticas e metanálises para diferenciarmos os mitos das verdades científicas. 1,2

Em 1954, o Professor de Pediatria da Universidade de Yale (EUA) Morris Wessel publicou uma definição clássica para cólicas do lactente que ficou consagrada pelo nome “regra dos 3”, porque era assim definida:3

  • começa com 3 semanas de vida
  • ocorre em pelo menos 3 horas no dia
  • em 3 dias da semana
  • com duração mínima de 3 semanas e máxima de 3 meses

Mas atenção: tudo isso em uma criança absolutamente saudável com bom crescimento e desenvolvimento.3

Atualmente a “regra dos 3” do Professor Wessel sofreu atualizações, ficando mais flexível, e assim definida: “são períodos prolongados de choro, de difícil controle, sem uma causa explicável, frequentemente no período vespertino e noturno, com tendência a se resolver entre os 3 a 4 meses de idade. O pico de incidência ocorre entre 4 a 6 semanas de vida, destacando-se: em bebês com boa saúde e condição nutricional”. 3

Veja no gráfico (1) o resultado de um estudo mostrando que realmente lactentes com cólicas apresentam menos horas de sono entre 18 horas e 6 horas da manhã, confirmado que as cólicas têm uma predominante frequência noturna.2



Gráfico 1: observe que o período crítico das cólicas do lactente é no período noturno, entretanto, nas 24 horas do dia essas crianças têm um tempo de sono menor.2

Todas as mães querem saber: por que existem as cólicas do lactente?

A etiologia das cólicas do lactente é multifatorial, envolvem aspectos gastrointestinais, biológicos e psicossociais, a interação desses fatores com o sistema nervoso central (eixo cérebro-intestino) modula a ocorrência e intensidade da cólica.1,2

O esquema a seguir mostra os principais fatores de agravo, e abaixo explicamos um a um.1


1.   Nos primeiros meses de vida o lactente tem uma deficiência transitória e fisiológica da lactase, a enzima que quebra o açúcar do leite, a lactose. O leite materno, entre todos os mamíferos, é o que tem o maior teor de lactose, fato explicado pela necessidade de servir de substrato para alimentação da microbiota ou flora intestinal, fato que pode gerar uma quantidade maior de gases intestinais, caso não se tenha uma microbiota intestinal de boa qualidade, quantidade e diversidade. 1,2

2.   E nesses casos o bebê prematuro sofre mais, porque nasce com sua flora intestinal muito mais imatura, e com pouca diversidade, fato que é agravado quando nasce de parto cesariana. No caso do parto normal a passagem pelo canal vaginal faz com que o bebê ganhe uma parte da flora bacteriana vaginal da mãe que irá ajudar na colonização intestinal do bebê. 1,2

3.   A imaturidade funcional do intestino no lactente, principalmente nos prematuros, é acompanhada de uma falha na coordenação dos movimentos intestinais gerando cólicas, constipação intestinal e às vezes uma diarreia funcional. 1,2

4.   Uma barreira intestinal imatura, com maior permeabilidade é fator de risco para o desenvolvimento de alergia a proteína do leite de vaca, por isso recomendamos tão fortemente o aleitamento materno exclusivo e evitar o consumo excessivo de leite de vaca e derivados pela mãe que amamenta. 1,2

Como vimos a cólica do lactente é real, mas transitória, benigna, multifatorial e sem nenhum remédio milagroso que “cure” de uma hora para outra.3

Também está claro que a chegada de um recém-nascido altera a estrutura familiar. Carências, medos, traumas e pontos de atrito tomam magnitude nessa época; portanto, toda e qualquer atitude de intervenção deve ser vista com cuidado.3

Muitos mitos, lendas, verdades e mentiras se apresentam, ficando difícil para os pais selecionarem qual atitude tomar. Nesse momento cresce a importância em ter “o seu pediatra de confiança”, ele é o especialista em lidar com lactentes portadores da síndrome "cólica do lactente".1,2

Deve-se abrir o diálogo entre pais e pediatras, informando-os dos sintomas, prognósticos, tratamentos e mitos que envolvem o tema, e desse modo, certamente minimizará o grau de ansiedade e fará crescer a esperança de dias melhores.1,2

E assim juntos vamos trabalhar para que estes nossos pequenos, indefesos e maravilhosos bebês cresçam com todo seu potencial, se desenvolvendo e trazendo muitas alegrias para todos nós.



Referências Bibliográficas

1.   Fernandes TF, Pires AMB e colaboradores. Dia a Dia do Pediatra. Atheneu 2022.

2.   Fernandes TF, da Fonseca CRB. Puericultura Passo a Passo. Atheneu 2018.

3.   Fernandes TF. Cólica do lactente - uma revisão abrangente sobre um tema repleto de incertezas. Pediatria Moderna 2006; (42):17-23. 

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